sexta-feira, 21 de março de 2014

No Leito

   Consegui chegar a acreditar que seria bom dividir momentos com mulheres cujos nomes eu não sabia e nunca ficarei sabendo. Os momentos passaram, bons, mas sem seus nomes as mulheres não ficaram nas memórias. Foram folha no fluxo constante de um rio meu. Deriva nas águas do leito.

   E talvez tenham passado assim porque, afinal, sou mais que uma criatura apaziguada - coloco-me em situações de pressão. Agrada-me essa ideia, a de que é possível a gente se colocar em uma situação tão tensa que a única opção é a mudança. Mudar. Evolução. Mudança de curso.

   Porque o que me excita é a inteligência, e a simpatia. A benignidade de apanhar folhas e pedras, ou de olhar para a água corrente sempre que ela estiver visível. E me atiça um sorriso bonito encimado por olhos que revelam mais do que escondem, porque prefiro me afogar em mar raso e conhecido a perder o lenho em águas estranhas cheias de promessa.

   Porque o que me atrai é aquela situação de perigo que só vem através da calma e da familiaridade. Faz meu sangue correr porque é incerto, porque é uma constante insegurança, ou uma insegurança tamanha que não me permite sair da defensiva e da incerteza senão com grande esforço e paixão, para daí aproveitar, como um prêmio, um instante de segurança e paz, flutuar nas águas do rio. Pelo leito.

   Não ter conforto não é desconfortável. Não é desconfortante. Nem é desconcertante. É o que quero. É ter que evoluir por causa daquilo que eu amo e por causa daquilo que me atrai, por causa daquilo que me chama e, quem sabe, por causa daquilo que me quer. A isca, para mim, não servirá se for entregue na superfície, mas tampouco me terá se estiver tão fundo que não se possa perceber. Fosse eu o peixe, na verdade, eu morderia o anzol sem artifícios apenas para ter que descobrir um jeito de me livrar do ponteiro e do meu sangue e de alguma dor, mesmo que no leito.

   É dessa sorte se perder, às vezes, ou sofrer danos que aparentemente ficam na memória sugerindo que já se passaram tempos melhores. Nem tudo que causa dano é inimigo. Nem todos que se perdem já se encontraram. Mas se esses dias, se essa vida, se essa coisa é o rio, é bom saber que ele segue para desaguar em mais fluxo. E que por muito tempo ele passa em leito.

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