quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Eu e Ela - Cesário Verde

Cobertos de folhagem, na verdura,
O teu braço ao redor do meu pescoço,
O teu fato sem ter um só destroço,
O meu braço apertando-te a cintura;

Num mimoso jardim, ó pomba mansa,
Sobre um banco de mármore assentados,
Na sombra dos arbustos, que abraçados
Beijarão meigamente a tua trança.

Nós havemos de estar ambos unidos,
Sem gozos sensuais, sem más ideias,
Esquecendo p'ra sempre as nossas ceias,
E a loucura dos vinhos atrevidos.

Nós teremos então sobre os joelhos
Um livro que nos diga muitas cousas
Dos mistérios que estão p'ra além das lousas,
Onde havemos de entrar antes de velhos.

Outras vezes buscando distracção,
Leremos bons romances galhofeiros,
Gozaremos assim dias inteiros,
Formando unicamente um coração.

Beatos ou pagãos, vida à paxá,
Nós leremos, aceita este meu voto,
O Flos-Sanctorum místico e devoto
E o laxo Cavaleiro de Faublas...

domingo, 25 de setembro de 2011

Renovar a Vida

i - Madrigal

Eu estava com outra - seria você?
Observávamos as garças de Março
sob a chuva no leito do Morava,
e quando as libélulas azuis, muitas,
pousavam no seu cabelo, eu e você
nos uníamos num singelo abraço,
e sua túnica de seda ruflava - eu dizia que te amava.

Quando os espíritos do rio célere
com os da chuva de inverno comungaram,
quando os gansos-bravos voavam para longe,
eu dormia com as carpas, sussurrava espere-me,
e se os gelos às suas palpebras incomodavam,
partíamos para longe, você me perguntou "aonde?"


ii - Commedia

E nos estuários pardacentos do Danúbio
vimos chorarem as bailarinas, concubinas,
e testemunhamos o afogamento das orquestras.
Era tão azul aquele cinza, lembro-me de alguém.
Será você? A luz da porta bate ao dia, e dúbio,
é assim que me vejo, e sigo seu vulto deitado nas cortinas,
reclinado qual neve que pesa nas florestas.

E desprezamos, um de cada vez, em tempo,
os banquetes do palácio imperial. Pudera!
O cisne e a ave do lago lindamente cantam
sem coleira ou tempero. Lembro-me disso como exemplo,
e quanto o médico virou monstro, desses que por aí erra,
com toda bondade você me aconselhou, os olhos amam.

iii - Seresta


E se de noite a vinha no choupo se enlaçava,
mais que depressa um ou outro murmurava:
"é o vento, que por rosas arrancadas chora."
Mas o dia sempre conseguiu vir e raiar,
e ao tocar com lábios a sua pele, jurava - te amava.
E se os sentidos privados são por hora,
digo hoje que são remorsos da demora.

Quando a pele começou a secar e fria,
os Urais estavam enrugados como o Verão.
Você chorava pela luz do dia e por nós.
Eu ofereci corrermos pela paragem de dia
e dormirmos com os trilhos (que um dia sonharão),
e como um cisne você reclina o pescoço - por nós.

iv - Balade


Assim, nos amamos mais e amamos mais tristes,
e no lado claro dos Alpes vimos as pastagens,
e no inverno escuro do Sena, mil imagens,
no doce sono do Nilo (cobra de vidro), miragens,
e nas velhas margens do Pó, algumas postagens.
Cansamo-nos, ainda amando. Criando coragem,
seguimos o vento de sal sem nenhuma bagagem.

v - Ode

Vimos os peixes que infartavam o Mississipi,
e ao Sul, um verso livre se afogou no Amazonas.
O uivo do coiote era como o choro do lobo,
As lágrimas da arara, a alegria do rouxinol.

A partir de então, no Novo Mundo era assim:
eu só escrevia em quatro versos, um quinto
só enquanto você me beijava. E no fundo, perguntava:
O que faz aqui, se no Morava você dizia que me amava?

vi - Eco

E a vida já se esvaía;
as rimas rareavam.
A luz da noite se perdia,

As novidades se espelhavam,
chorar o peito eu queria,
meus olhos diziam, te amavam

vini - Scene

E eis que o frio do Inverno.
E eis que acho - nada é eterno.

vinci - Verso

Gelo. Tudo pára.

ix - Verum

Vi um raio de Sol.
Muito longe.
Veio tão veloz,
veio tão rápido.
Eu que vou em direção a ele,
e do escuro já sinto sua voz.
Vamos brincar nos charcos do Morava!
Eu te amava, você me amava!
...
E a vida se renova.


-------------------------------------------------- Eu mesmo, hoje.

Às vezes escrevo por motivos de pura alma e razões de desequilíbrio químico. Eu legaria este a Camões se possível fosse, para vê-lo lápidado em belas rimas como só um homem de um olho só pode fazer.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

And later, in August it may be,
When the meadows parching lie,
Beware, lest this little brook of life
Some burning noon go dry!

-- Emily Dickinson

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Se me repito, envergonho-me.
Mas me repito: eis um texto desencavado do baú...


Coração de pedra,
que um nome te esfacela,
Quem que medra
de pata cruel golpe que te esfarela?

Coração de pedra,
que ao quebrar se esfacela,
não voltas nunca a ser pedra,
viras uma cola de lascas
- e pedra que esfarela]

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Artitetura

Perco-me um pouco quando ponho-me a divagar.
Pensando, não coloco-me aqui ou em algum lugar:

Vivo da esperança de pensar que posso partir; ir
e, talvez quem sabe, não precisar voltar, devir.

É de minha especialidade fugir, um sonhambular,
e fazer sonhar que na palavra escrita encontro um lar:

É pelas vezes que sonho acordado que uso a tinta,
Como se alguém edificasse uma casa no que pinta,

sem usar bloco, parede ou pó, fazer erguer, bem alto,
uma casa forte, uma alta torre que ganho quando salto.

Talvez escrever seja assim, um sonhabular sem direção
que parta sempre de e para achar um motivo esquisitão,

Talvez escrever seja assim, um fortificar só com tinta,
temendo um dia em que a palavra escrita esteja extinta.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Traze-me - Cecília Meireles

Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.
Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.
Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
-Vê que nem te digo - esperança!
-Vê que nem sequer sonho - amor!

"Like a Rose on the Grave of Love" - Xandria



Come like the dusk
Like a rose on the grave of love
You are my lust
Like a rose on the grave of love

I curse the day I first saw you
Like a rose that is born to bloom
Don't look at me the way you do
Like the roses, they fear the gloom

Your thorns, they kissed my blood
Your beauty heals, your beauty kills
And who would know better than I do?
Pretend you love me!

Indeed, reality seems far
When a rose is in love with you
Slaves of our hearts, that's what we are
We loved and died where roses grew

They watched us silently
A rose is free, a rose is wild
And who would know better than I do?
Roses are not made for love

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Motivo da rosa

Cecília Meireles

Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.

Rosas verá, só de cinzas franzida,
mortas, intactas pelo teu jardim.

Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.

E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.