domingo, 29 de julho de 2012

Tratado do Amor Branco


Durante quarenta e três anos tentei ser um poeta. Percebi com o passar do tempo que nada eu escrevera naquela página, sempre em branco, sempre comigo. Nem mesmo uma data, que riscada fosse várias vezes, eu pintara naquela folha. Durante anos ela permaneceu do mesmo modo que veio a mim, marcada talvez apenas pelo meu cotovelo, que segurava a cabeça distraída, ou pela carícia da minha mão, automatizada no pétreo esforço de fazer pender uma caneta inexpressiva.
Durante quarenta e três anos tentei ser um poeta. Percebi um dia que me casei em sonhos com uma moça que me pegara pelo nome – vi seu nome numa lista e aquele nome me pegou. Apaixonei-me por um nome, pego pela palavra como, sempre fui. Depois do nome veio a moça cuja tez o precedia, e por ela enamorei-me além do que as palavras podiam dizer. Divorciei-me destas, em litígio impensado, e não vi que solteiro era poeta, enamorado era apenas namorado.
Percebi um dia que mudamos para Roma porque ela é católica, embora eu tivesse apaixonado-me por um nome outro, Reikjavic. E, abraçando-a, escondida no bolso a chave daquela casa em Roma que ela achava que ia deixar e que eu não queria deixá-la saber que já era dela, perguntei-lhe se se lembrava de quando nos conhecemos. E ela sonhou novamente nos meus braços como dera-se nosso encontro: eu lera seu nome numa lista e estava apaixonado.
E quando, de mudança, aceitando que Reikjavic não era minha, achei uma folha em branco. Reconheci-a e ela me reconheceu.
“Durante quarenta e três anos tentei ser um poeta.” Disse eu, para mim e para a folha. Um de nós chorou uma lágrima quase seca, daquelas que brotam nos olhos já quase mortas antes mesmo de rolar pelo rosto quase morto.
Creio guardar ainda aquela mesma folha em algum canto em alguma caixa em algum canto. Ainda não sou poeta, não sei o que quero ser, não sei se quero saber o que é ser poeta. Acho que se tivesse que escrever algo nela, antes de morrer, escreveria apenas uma coisa.
Um nome.


29/07/2012

quinta-feira, 26 de julho de 2012

À minha amada vivaldiana

Chove no meu coração, mas faz sol em meu rosto.
É verão nos meus lábios, mas inverno quieto na minha garganta.
Dou a primavera dos meus braços para quem me traz ao mesmo tempo à flor e o outrono da alma -
Mudando as estações no rosto, coração e peito.


quarta-feira, 18 de julho de 2012

Estou chato e quase já não consigo mudar. Viro sempre três a direita, e assim acabo sendo sempre levado para a esquerda, andando em quadrados nos quais é impossível se achar e perder.

Estou estranho e quase já não me reconheço mais. Estou virando parte do chão e do ar e das paredes e do quadro de giz, uma parte do ambiente que se move e fala, sempre pesada.

Estou sumido e quase já não me lembro mais. Não lembro nem a última vez em que me achei no espelho, onde quase nunca me procuro, e só me ouço em silêncio.

Estou mudado e quase já não me entendo mais. Nem me entendem, nem me entendo, não entendo meu não entendimento e entendo só não me entenderem.

Estou falando mais, incomodando mais, reclamando mais, dessonhando mais, conformando mais, afastando mais, chateando mais, desistindo mais, amargando mais, esmaecendo mais, desesperando mais, apagando mais, mudando mais...
Sempre demais...

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Alma Entregue

Forma com teu coração uma dupla atendida,
A parceria amiga na conversa entendida
Que pela forma da necessidade expressa é composta,
a simplicidade complexa, pelas águas do corpo exposta.

Forma com teu coração uma dupla contida,
Retorno sem partida, jornadas sem ida,
Que pelo crer na verdade se torna conforme,
a confiança perdida, feita de negações uniforme

Forma com teu coração uma dupla entretida,
Silêncio de dois, cura e consolo em ferida,
O avanço que voa para além de fatal encosta,
A coragem nos vícios que é pela vida imposta.

Forma, de teu coração, uma força mantida
Por fé, por verdade íntima, dor sentida,
Na extravagância da descrença oposta,
Que no encontro secreto do beijo se mostra.

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Há quem não acredite que vale a pena ser verdadeiro e franco ou sincero em todas as empreitadas. Se é, não o sei. Mas o faço. E verdade não é coisa que para todos seja a mesma - conflito de termos - verdade é, como a alma, uma coisa de cada um.

domingo, 1 de julho de 2012

The roses I sow - I expect the dryness of the earth.
The purity I sought - I expect delusion to exort.
The dreams I dream - I dream in fancy for art.

The lives I lived - I remember the harrowing.
The songs I sang - I entombed them in my mouth.
The steps I trod - I clipped for my face's sake.

The smiles I smile - I think them unsure.
The doubts I breath - I see them secure.
The bread I take - I judge it alms given.

The hopes I have - I hear them as all.
The strength I have - I fear it failing.
The Gods I adore - I'm mute.

On Moonsinging

Did you ever moonsing?
Those who never moonsang can't see the Moon as it really is - or can they?
Moonsinging - sighing and sighting it is - listening to the Moon more than singing with it.
Singing to it, pointless - the Moon can't hear you;
Singing with it, all that matters - the Moon with you.
And the Moon, a silver lattice on the dark-taken dome,
More singing then sighting or sighing, can sing with you.

Methinks that I can moonsing.
Things of silver, things of shiny allegiance. Flickering, haunting things of balming.
Tokens of echoing, of vult and remembrance. Radiant, quiet thoughts of cold.
Silent shattering, profuse - moonsight and moonsought:
Silent passing, confuse - following the one who follows you.
And I, moonsing, wandering and wondering dusk-taken,
More sighing or sighting then singing, singing with the Moon.


-- I`ve got an arrow here --
-- Vainly I had sought to borrow surcease of sorrow --
-- Nor shadows dim her way --