segunda-feira, 24 de março de 2014

A Pluralidade do Sujeito

   Percebi que o que tenho vivido é o Idiota. O Eu, aquele de hábito, virou recluso e fechou-se de tal modo que eu não o encontro mais. Não sei mais dele, ou sei lá, de mim. Não me manda carta, não me escreve nem para dizer se está vivo. Apenas escuto falar a seu respeito quando o Escritor passa e deixa bilhetes ou pistas que me remetam a mim. Isso porque não me mando carta, não me escrevo nem para me dizer se estou vivo.

   O Recluso, não sei se pobre coitado ou querido e estimado amigo que partiu, deixa suas marcas também. Indeléveis até o próximo tempo de inconstâncias. Agorafobia. Que fim para mim.

   O Idiota é que tem que tocar a vida. Trabalha. Toma café. Fala. Tem vivido há mais de ano. Aprendeu a lidar com o relógio e com a boca e com a cama, mas não se pode exigir calor do inverno ou lambidas fiéis de uma cobra letárgica. Porque é essencialmente Idiota, ele, eu, não que o inverno ou as cobras sejam idiotas. O Idiota sou eu.

   O Escritor, eis-me aqui mediando um conflito estranho. Uma guerra de ausências. Uma face para a qual os outros dois não parecem ligar. Não me incomoda isso. O desprezo, podem queixar-se alguns, é um fardo amargo e perturbador, mas alguém precisa ter por legado o esquecimento. Alguém precisa herdar a indiferença. Alguém precisa ser o corredor, pois o mundo está cheio de quintais e grandes salões.

   Sou mais de um, e todos eus não nos comunico.



"Mad Man", arte de Sakimi chan
[http://sakimichan.deviantart.com/]
[https://www.facebook.com/pages/Sakimi-chan/1409836239257534]

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