domingo, 16 de agosto de 2009

::: A de Anúbis


TENHO em mente um projeto baseado no blog de um ilustrador, infelizmente não me lembro seu nome e já não consigo achar o seu blog. Ele estava usando o alfabeto como fonte de inspiração para desenhar divindades. Id est = Na vez da letra A, ele ilustrava uma divindade que começasse com essa letra, e assim por diante.

Apesar de adorar desenhar, não pretendo exibir aqui meus dons nessa arte complexa do rabisco admirável... Mas gostei da forma proposta e vou segui-la.

Acontece que assim como o ilustrador anônimo, vítima de minha memória ruim (e da limpeza periódica do histórico do Firefox), encontrei uma "dificuldade" na hora de começar. A, bem sabemos, é a primeira letra de nosso adorado alfabeto, e quem é a primeira divindade que toma conta do consciente de qualquer um que tenha em mente pelo menos uma dúzia de deidades antigas?
Afrodite!

(Deception haze)

Mas, tal como o ilustrador anônimo, resolvi começar pelo Deus egípcio do julgamento e do tempo após a morte. Por isso, hoje é

::: A, de ANÚBIS

Anúbis é um deus ligado ao tempo. Por isso, se voce estiver interessado na biografia Dele, consulte a wikipédia na língua que lhe parecer melhor (http://pt.wikipedia.org/wiki/Anúbis), (http://en.wikipedia.org/wiki/Anubis), (http://sv.wikipedia.org/wiki/Anubis).

Dizem os historiadores que os egípcios antigos associaram Anúbis (versão grega de Inpu, ou Anupu, como falavam a velha e boa gente egípcia) com o chacal - aquele ser que parece um cão mas não é um cão! - por causa dos hábitos desse animal: os chacais rondavam as necrópoles, afinal, eram também carniceiros e podiam escavar túmulos para procurar comida. Isso conferiu a Anúbis não só uma caracterização antropozoomórfica de guardião/vigia dos lugares dos mortos, mas também lhe deu um tom, uma vez que a cor preta à qual é associado está ligada não ao chacal, mas à cor dos cadáveres embalsamados com natrão (vulgo múmias) e, o que acho mais interessante, ao preto que também era a cor da terra fértil depositada nas margens do Rio Nilo nos tempos de cheia, o que simbolizava o renascimento através da promessa de uma nova vida.

Anúbis é filho da Noite e do Juízo, ou, dizem outros, da Noite e do Deserto. Talvez o mistério a cerca de seu genitor o tenha feito protetor dos órfaos. Daqui pra frente, o resto das informações fica pra wikipédia e além. Eu poderia escrever textos sem fim só sobre minha admiração pela visão de morte que os egípcios tinham, mas vou (tentar) me ater somente a Anúbis. Ele é uma das dezenas de divindades associadas ao pós-vida, o que só contribuiu para as horas em que os romanos ou gregos antigos diziam que os egípcios eram um povo fúnebre!
Fúnebres, definitivamente não. O produto de exportação cultural do Egito antigo era a vida após a morte, tal como o futebol de qualidade e o samba foram para o Brasil, tempos atrás (sighs). E assim como o Brasil não é só carnaval e mulatas, a cultura egípcia ancestral não era só morte e areia. Diferenças culturais, sempre. Hoje, muitos querem poupar dinheiro para construir a casa própria e comprar um carro; e no Egito antigo, os nobres poupavam dinheiro para comprar um Livro dos Mortos e garantir a salvação no Paraíso.

O Mundo dos Mortos no Egito era povoado por monstros medonhos. E isso é muito importante caso voce seja uma alma penada do mundo egípcio: cuidado! em cada esquina e atrás de cada duna há um monstro querendo devorar sua alma. Era onde Anúbis entrava. Ele era o protetor dos mortos. Dos mortos: O perigo não acabava durante a vida, ele continuava após a morte até o momento em que a justiça fosse feita, pois o morto devia achar seu caminho através das Portas do Destino e chegar ao Salão do Julgamento, onde Anúbis o deixava em segurança para ser julgado.
Quem sabe quem foi Tutancâmon também sabe que era Anúbis o responsável por colocar o coração do morto em um prato da grande balança do juízo final, enquanto Ma'At depositava a Pluma da Verdade no outro prato. Anúbis ajustava os pesos e verificava: Só chega ao Paraíso aquele cujo coração não pesar mais do que a Verdade.

Anúbis, deus que protege aqueles que já se foram, aquele que protege os que não tem ninguém, aquele que protege os que se vêm sozinhos. Os mortos, as almas, os agonizantes, os órfãos. Na verdade, nunca estiveram sozinhos. Sempre há um poder maior. A solidão é um período de trevas, mas ali está Anúbis: ele é filho da sombra da noite, não a teme porque ela corre em seu sangue, ela lhe é familiar. Não voltamos nossos olhos para a escuridão, talvez já não acreditemos que há alguém lá para nos proteger em meio a tanta angústia. Não estamos sozinhos, não totalmente.
Era hábito que uma estátua de Anúbis encabeçasse uma procissão. Afastava a má-sorte, é o que gosto de pensar. O tempo abrindo caminho. Anúbis era associado com coisas que hoje já não nos fazem sentido, como a mumificação, mas vão-se os hábitos e fica a essência. Enquanto os faraós eram embalsamados por devoção, de repente alguns nobres eram embalsamados por amor.

Mesmo os mais ímpios receberam os ritos fúnebres, e me pergunto para quê... Se acreditavam que a alma só alcança a imortalidade com o corpo devidamente preservado, deviam acreditar no que diziam os sacerdotes sobre o Lago de Fogo e a Devoradora de Almas. Mas parece que desde os tempos das pirâmides não nos preocupamos muito com justiça terrena. Assim como parece que a hipótese de justiça divina sirva apenas de consolo para os que são vítimas da injustiça dos grandes ou para mascarar nossa impotência.

Bem, chega. Sempre gostei de Anúbis. Para mim, sempre foi um deus calado. Por vezes, penso que Ele era amargurado. Não sei se era por ter sido filho de um adultério ou por que o ofício dos mortos é um dever ingrato, mas há algo que sempre vejo quando olho nos olhos do grande chacal: ninguém está sozinho. Ninguém deve ficar sozinho. Se não houver um par de mãos dispostas a embalar os esquecidos ou cuidar dos agonizantes, pode ser que mais ninguém o faça. Há Deuses para o Sol, para o Nilo, para o Trono e para a Fertilidade, mas consagrado como mumificador havia apenas um, um grande, e adorado por isso. Talvez, Ele não cuide das almas e dos cadáveres por prazer, e sim por obrigação. Talvez só lembrassem dele nas horas em que sangraram, exalaram pela última vez ou perderam a fé no outro mundo, mas Ele não se preocupou. Lembrem dele ou não, ofereçam-lhe preces ou não, cedo ou tarde chegaria a hora em que Ele os escutaria. E Ele jamais negará seu dever.


--------- PS: -------------------
Jumbriano: E aí, Heródoto, que achou do texto?
Heródoto: ¬¬
Jumbriano: Pensei em combinar o encerramento com a frase do Rabelais "O tempo traz tudo, para quem sabe esperar."
Heródoto: (sighs) prefiro o ditado egípcio: "De nada vale a fortuna para o homem sombrio."
Jumbriano: Arrasou de novo cara!
Heródoto: Ósculos, menino.

4 comentários:

  1. provavelmente mais do que o texto inteiro! hahahah!

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  2. Oi, Juliano.

    haha! vc adivinhou!
    Sempre fui leigo nisso, e confesso,
    as mitologias não me atraem.
    Porém não desdenho: são riquíssimas. O que seriam dessas culturas (e até da nossa ocidental) se não tivéssemos as culturas romana, grega, egípica e blábláblá, como referência?

    Reconheço a beleza, mas não gosto muito.
    Acho meio chato.
    Mas eu li o texto, pois gosto de sua escrita muito sóbria. Sóbria no sentido de coerência, nada a ver com o alcool! haha

    Gostei mesmo foi do PS, pq é um tom de brincadeira.
    Aliás, se vc ver algo semelhante no meu blog nas próximas postagens, não duvide: é plágio mesmo! haha, adorei essa idéia

    Imagina, montar dialógos com Jesus, Maomé (vou perguntar a ele se é verdade aquela história do Mar Vermelho).
    Falar com Robiespierre, Platão, Descartes, Joaninha D'Arc, Micheal Jackson, uhulll

    Enfim, amei o PS. e Achei chato o texto.
    Mas continue escrevendo sobre isso, e mande esse leitor chato para aquele lugar!
    Estarei acompanhando!

    Abraço, Jumbriano

    PS:

    Eduardo: Jumbriano... Jumbriano...é impressão
    minha ou seu nome de blogueiro é diferente do
    seu habitual?

    Juliano: ¬¬ Eduardo, quem usa óculos aqui sou eu.

    Eduardo: E por quê Jumbriano? Tem a ver com com brio? ombro? vc errou uma vez e gostou do jeito que ficou? apelido carinhoso de alguma ex-namorada?

    Juliano: Eduardo, meu anjo, meu querido, vc tem amor à sua vida?

    Eduardo: :P

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