quinta-feira, 30 de julho de 2009

UM OLHAR SOBRE Indiferença

A MOÇA que vi da janela do ônibus era bem vestida. Não estava mal-tratada como a maioria dos pedintes. Ela carregava o filho no colo e tinha uma bolsa nova em um dos braços. Enfim, não demonstrava nenhum sinal de decadência ou pobreza.

Mas ela estava indo de pessoa a pessoa, subindo a rua, pedindo dinheiro para comprar um passe de ônibus. De onde eu estava (dentro do ônibus) pela leitura labial (O.o) conseguia identificar “dinheiro pra passagem”. Mas das seis pessoas pelas quais eu vi ela passar, nenhuma ajudou. Ela estava bem-vestida, a criança também. Apenas um dos transeuntes, tão ocupados com suas próprias vidas fez menção de parar e revirar os bolsos, mas mal começou a fazê-lo, desconversou e seguiu para o restaurante, que era seu destino.

A maioria estava atrasada (atrasada para quê, me pergunto...), correndo do trabalho para o almoço ou do almoço para o trabalho, e simplesmente passavam pela moça pedinte, às vezes sem nem dizer um “não tenho”. Enquanto o meu ônibus avançava vagarosamente, ia acompanhando ela com os olhos, decidida a conseguir um passe ou os 2,30 reais para comprar um. Dado momento ela pediu para um desses figurões de carro do ano. Foi o único que insultou ela.
Ela não deixou barato, reclamou. Mas em voz baixa, quando o figurão já tinha fechado o carro e se afastado. Ainda assim, reclamou.

Há pessoas e organizações que exploram os demais. Há pessoas e organizações que lutam para proteger os interesses de alguns poucos ou de uma maioria abstrata. Esses dois tipos (de pessoas e organizações) são tão inglórios quanto aqueles que antagonizam.
Sobre as organizações que vivem da desgraça dos outros não tenho que falar, mas falo daquelas que dizem defender o povo. Daqueles grupos ativistas, dos movimentos sindicalistas, das organizações religiosas ou de grupos sociais. Quantos desses são falsos! Quantos desses são fachadas! Entregam seu manifesto para o sistema que tanto criticam, e uma vez que fazem isso estão prontas para se acomodarem. Levantam poeira com seus discursos contra a burguesia, pisam os ricos e usam frases de efeito, mas uma vez que entreguem um documento para o governo ou apareçam na televisão, correm para sua torre de marfim, de onde verão tudo continuar do jeito que está.
Criticam o sistema, sim, mas dentro do sistema. Quem critica não quer romper. Quem quer romper sofre, quem rompe tem que agüentar as conseqüências disso, quem agüenta as conseqüências está lutando por uma ideologia. Mas o comodismo, parece, é uma moda até entre aqueles que se dizem revolucionários, esquerdistas ou “pró-plebe”...

Se o Brasil (pensemos um pouco de cada vez) está do jeito que está, não é por causa dos exploradores. É por causa dos explorados. A elite exploradora, claro, não se absolve de toda culpa, mas o vírus infecta porque um corpo desleixado deixou-se vulnerável ao ataque. Se existe um abutre é porque há carniça no campo. Se os corvo destroem a plantação é porque seu lavrador a abandonou.
E é na indiferença nossa de cada dia que vamos vivendo. Indiferentes, corremos contra o tempo sem nem saber direito para quê tanta pressa. Para evitar uma bronca do chefe, para não perder o ônibus, para ganhar mais tempo. E o que fazemos com o tempo que ganhamos ao correr? Corremos mais.
E na indiferença, aprendemos a reclamar como querem que reclamemos, assim como nos mantemos cômodos em nosso trono de ébano enquanto o mundo continua igual. Igual não, piorando. Queremos mudança, mas não temos vontade para fazer isso acontecer. Queremos lutar por um mundo melhor mas não arregaçamos as mangas. Queremos um futuro melhor, mas relegamos isso ao outro e dizemos para o espelho que não somos capazes.
Indiferença, então! O homem não ajuda o homem, então quem o ajudará? Há quem se console na religião, sabendo que seu Deus irá confortá-lo no reino dos céus porque foi pobre. Enquanto isso, mantém-se indiferente para a esfera terrestre.
O trabalho dignifica o homem? Não é o que se pensou durante milênios, afinal, desde séculos antes de Cristo, trabalho é coisa de escravos enquanto a nobreza ou elite racial fica nos castelos se embebedando. Então o que dignifica o homem? Fé? Sim, mas não é a fé que ajuda o próximo, e sim a atitude.
Benditos sejam aqueles que, diferente de mim e tantos, não são indiferentes. São poucos, mas existem. Um ato de atenção com o próximo é valioso, um documento listando os direitos de um grupo social não vale mais do que o pó que pisamos todo dia na rua. Se existem direitos, é porque alguém quer atacá-los, dobrá-los à própria vontade. Se existe pobreza, é porque existe riqueza. Se existe capitalismo, socialismo, comunismo, e tantas outras ideologias é porque não sabemos governar nosso próprio quintal.
Pensei em estender o braço para fora do ônibus, chamar a moça e dar o trocado pro passe. Pouco me interessava se ela ia realmente comprar um passe, aquele dinheiro não era tão importante para mim naquele momento quanto era para ela. Pode ser que eu fosse precisar dele depois, mas ela precisava naquela hora. Não dei o dinheiro. Não me arrependo, mas preferia ter dado as notas. Espero que alguém tenha tido coragem para fazer o que eu não fiz. Espero que alguém não tenha sido indiferente. Era apenas um passe.

Um comentário:

  1. Gostei muito do texto, e por 2 motivos. O primeiro é porque ele é muito bem escrito (não é novidade)
    O segundo é porque me identifiquei com ele...
    porque sou indiferente...porque acho não daria o passe. Esse texto me lembra muito um texto meu, nossas idéias se combinam, nesse sentido.
    O pior da indiferença, é que a carregamos, sentimos o seu peso enorme, e tudo o que fazemos é falar e falar. Triste.

    Mas.... vou indo, que hj é sexta-feira. Essa mulher que não me apareça pedindo passe hoje, é fim de mês e eu tô zerado! hahaha

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