sábado, 19 de novembro de 2011

Grifos meus na obra bela de Florbela

Exaltação
Viver! Beber o vento e o sol! Erguer
Ao céu os corações a palpitar!
Deus fez os nossos braços pra prender,
E a boca fez-se sangue pra beijar!

A chama, sempre rubra, ao alto a arder!
Asas sempre perdidas a pairar!
Mais alto até estrelas desprender!
A glória! A fama! Orgulho de criar!

Da vida tenho o mel e tenho os travos
No lago dos meus olhos de violetas,
Nos meus beijos estáticos, pagãos!

Trago na boca o coração dos cravos!
Boêmios, vagabundos, e poetas,
Como eu sou vossa Irmã, ó meus Irmãos!


O Teu Segredo
O mundo diz-te alegre porque o riso
Desabrocha em tua boca, docemente

Como uma flor de luz! Meigo sorriso

Que na tua boca poisa alegremente!

Chama-te o mundo alegre. Ai, meu amor,
Só eu inda li bem nessa alegria!…
Também parece alegre a triste cor
Do sol, à tarde, ao despedir-se o dia!…

És triste; eu sei. Toda suavidade
Tão roxa, como é roxa uma saudade
É a tua alma, amor, cheia de mágoa.

Eu sei que és triste, sei. O meu olhar
Descobriu o segredo, que a cantar
Repoisa nos teus olhos rasos d’água!…


Fanatismo
Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!

Não és sequer razão de meu viver,

Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida…
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

“Tudo no mundo é frágil, tudo passa…”
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, vivo de rastros:
“Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!…”



Inconstância

Procurei o amor que me mentiu.
Pedi à Vida mais do que ela dava.

Eterna sonhadora edificava

Meu castelo de luz que me caiu!


Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!

Passei a vida a amar e a esquecer...

Um sol a apagar-se e outro a acender

Nas brumas dos atalhos por onde ando...


E este amor que assim me vai fugindo

É igual a outro amor que vai surgindo,

Que há de partir também... nem eu sei quando...



Charneca em Flor
Enche o meu peito, num encanto mago,
O frêmito das coisas dolorosas...

Sob as urzes queimadas nascem rosas...

Nos meus olhos as lágrimas apago...


Anseio!
Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas

Murmurar-me as palavras misteriosas

Que perturbam meu ser como um afago!


E nesta febre ansiosa que me invade,

Dispo a minha mortalha, o meu burel,

E, já não sou, Amor, Sóror Saudade...


Olhos a arder em êxtases de amor,

Boca a saber a sol, a fruto, a mel:

Sou a charneca rude a abrir em flor!




Florbela Espanca nasceu em Portugual, 1849, e suicidou-se no dia de seu aniversário, no ano de 1930.
"O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesmo compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que se não sente bem onde está, que tem saudades... sei lá de quê!"

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