segunda-feira, 27 de abril de 2015

Das Águas

O Estige é bem mais cruel que o Mediterrâneo.
Os gregos, que cruzam azuis longos em seus barcos velozes, são humilhados pelo leito de um rio.

Corra-se pela praia, e dê-se o corpo às ondas, ao vendaval. Se carregado por barco, longe vá. Aporte. Conheça novas terras, novas pessoas, novos cheiros, novos velhos.

Mas o rio permanece intransponível. O Barqueiro, guardem-No os Deuses sempre em boa sorte, não é dado a piedades.

Mas se o castigo de Hades é ver logo ali, do outro lado do rio, a distância de uma vela só, aqueles amados perdidos que se vão e nas sombras deixam-se estar, o Deus Rico também sabe ser preciso e professor.

A distância do rio é curta de uma margem à outra para que a saudade passe a nado. Ou que a lembrança caminhe sobre as águas, jamais detida.

A piada cruel desse jogo de águas é que os corpos queimam e de um jeito ou outro se esfarelam, misturando-se às terras dos outros mundos. Mas a alma, ou que quer que seja isso e o que quer que sobre dela, está à distância de um pensamento.

E em se tratando de águas, por onde vão os desbravadores ou por onde chegam os invasores, ao invés de se visitar nas lembranças os amores e os amigos mortos, pode ser que eles venham aportar por um breve instante onde estamos. Mas nunca quando olhamos o mar.


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