domingo, 10 de novembro de 2013

Fama

   A necrológica da raça humana me espanta. De noite a mente singular daquele poeta me desperta e eu sou levado a pensar nessa coisa da morte na gente. E esse meu meu pensamento, da morte em vida, fica suspenso no ar.
   A necrológica está no nosso ímpeto diário, de quando guardamos a carteira a quando fazemos ou não nossas preces noturnas, pensando se as fazemos ou não.
   E a face do morto, um betume estranho que tome as feições de um rosto de carne como agourado por Lima Barreto, encerra sob os sulcos ou falhas pelo tempo cavados e ali deixados uma outra face que um dia foi vida.
   Talvez a face perdida de um mendigo feliz, talvez o rosto de um pintor. O rosto que assusta porque é feio, coitado, mas que alegra porque sabe ser só sorriso.

   "Que belos dentes tinha ele" dizem os da exumação, mas a necrológica das gentes é assim, pequenecedora, minimalista, dentária.
   Mas então a mente divaga, e se solta. Desassocia-se da vida e emparelha com a morte, e sabemos de fama ou herança. O que é história senão morte em vida?
   E o homem, nessa necrológica, pode não deixar um morto descansar. Dar paz a um indivíduo é esquecê-lo, irremediavelmente.
   Mas isso foge à necrológica, e a gente sem arte não vive; sem lembrança, seca; sem memória, murcha. E o morto assim vive outra vez, no espaço assombrado de memórias ou retratos, até que me deito e durmo.
   E e é necrológica outra vez.

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