A quem nunca passou pelo que
vou contar agora, um bom conselho: ateie fogo aos seus móveis e nesse fogo
jogue suas coisas. Quebre os vidros de sua casa, deixe a porta aberta; saia
rápido. Poupe das chamas apenas uma bugiganga qualquer e vá embora com ela. O mais
longe que puder. Garanto-lhe que não estará fugindo. Não. Você estará criando
um futuro mais interessante para sua vida modorrenta.
Porque é modorrenta uma droga
de vida em que nunca você seria forçado a passar pelo seguinte: em um momento
qualquer – de limpeza ou de descanso, de enfastio ou de excitação, de procura
ou de saída – você se depara com um cacareco no meio das suas coisas. Contra
aquela vontade estranha que manteve seus dedos afastados dessa quinquilharia
por tanto tempo – porque esse cacareco, esse objeto, deve ser um que você não via
ou do qual não se lembrava há tempos – contra tal vontade estranha você estica
o braço, mão e dedos para tocar o objeto reencontrado.
E é assim que funciona. Por um
motivo qualquer, em um momento qualquer, você ganhará a arqueologia – nas ruínas
de um passado seu, remoto, escavando suas coisas acumuladas, você se depara com
um tesouro: talvez uma relíquia de outrora, sobrevivente de um presente ido, ou
lembrete de um futuro que nunca será seu passado.
Rogo-lhe: entregue-se a esse
momento. Não sei se o objeto que você encontrará será um retrato, uma joia, um
bilhete, uma garrafa... Mas quando esse reencontro com um ídolo de seu passado
acontecer, entregue-se a esse momento. Comungue com a bugiganga.
É incrível
poder apreciar como desenrola-se esse reencontro. Primeiro são os olhos que se
encantam em silêncio, meio surpresos com algo que em um instante torna-se
familiar de novo. Tocando a relíquia, um deslumbramento tátil se apossa das
pontas dos dedos, e ecos dessa sensação seguem pelos braços.
O que vem depois, depende da
sua poesia – se serão as fibras do coração a serem remexidas e tocadas
novamente por sentimentos de antes, ou se serão as cordas da mente que reconhecerão
e reviverão emoções e memórias idas, depende da sua poesia. O que está ancorado
no objeto, contudo, servirá para reviver um episódio talvez esquecido.
Admito, aqui, agora, que não estava
vasculhando minhas gavetas ou remexendo minhas caixas. Tampouco procurava algo.
Não – apenas olhei para minha cabeceira, e lá reencontrei um objeto a tanto
tempo escondido da minha visão.
A lua estava lá.
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