O whisky era barato, mas fez sua parte.
O vinho é bebida de mulher, disse o irlandês, mas ajudou. Acabei
lembrando, consegui fazer-me ouvir música que se fez no teu corpo.
Senti-me bem. Por um momento eu fui um
bardo, um músico, e de um instrumento único em seu tipo, tirei
notas jamais ouvidas. Nem ecoaram longe, eram quatro paredes
abafadas, mas a música persistiu. Ganhou vida, como uma estátua de
barro fraca que recebe um sopro, e em um lapso de tempo dos mais
incertos vinga e desaparece sem sumir – ecoa no ouvido e se
implanta na memória.
Afundei os dedos em teus cabelos. Era
dedilhar uma harpa, e mesmo que os sons ainda não estivessem
afinados, quem poderia ouvir melodia mais clara, mais limpa, mais
única? Meus toques percorriam teu corpo, a orquestra a dois ganhava
força, ganhava ritmo, os movimentos evoluíam. Quase não havia
allegro. Presto, só no pensamento afoito. Mas apesar
de ser uma Ária breve, essa música do teu corpo, foi um Largo,
um movimento lento que atiçava o pensamento e as notas,
superexcitando-as de modo que cada tom, cada toque parecia mais uma
música inteira, que em sua perfeição já cedia lugar à próxima,
que vinha no resfôlego e no suspiro.
Balançava a pele. Os lábios tremiam.
O desejo fremente que inspirava a música se realizava, pois era
composta a obra do compositor, ganhava som e vida alheia a ideia pura
que tão fugazmente criara raízes no pensamento, e já era agraciada
com a forma, com essa música que teu corpo produzia, conduzido.
Allegro. Presto. Largo.
Ária. Sim, a princípio era assim a música do teu corpo, uma
música clássica, pois de um espírito clássico vem a música
erudita (embora ela mesma não se considere assim). Mas me pergunto
se é só a nota clássica e orquestral que evoluía dos movimentos
de corda do seu corpo, dos movimentos de onda, das realizações do
sopro. Talvez fosse mais que música clássica, pois teu corpo
dançava despido ao som daquela música ali produzida, ali criada. O
que houve naquele momento que pertencia à guitarra do blues?
O que consegui daquele dia da batida franca do pop? O que
terei experienciado da paz da new age? E se houve também MPB,
na vocalização suave que juro ter escutado? E olha, pode bem ter
tido um acorde ou dois de música colonial...
Meus Deuses... Que música. E lembro
também como houve rock. Amo rock. Clássico, metal,
melódico. E cada nota que naquele dia seu corpo em afinamento
produziu, conseguia escutar um pouco do que mais amo. Do que mais
amava. E, coroando a tudo isso, eu escutava você. Seu sopro, a
cadência do seu coração – o tímpano no fundo da orquestra ou a
batera moendo quando os sentidos, de tão excitados, encontram a paz?
Não há como expressar você em
palavras, pois as palavras mudam demais. Os juízos escritos mudam
demais. Falseiam-se. Simulam verdade quando são falsos desde um
começo não rabiscado. Você teria de ser as melhores palavras
unidas em uma sequência, que nem lógica deveria ser. Mas talvez
haja como expressar você em música, e seria com as melhores notas.
Mas o instrumento se foi. A última
corda partiu-se em meu pensamento. Tudo o que resta é a música.
Que ecoa.
Meu Deus, ecoa.
Ulian, 12/12/2012
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