Rosas tristes são piores que cabeças
de defunto, assim espalhadas pelo chão. Não dormem – estão
chorando acordadas, crescendo para apodrecer – pelo chão.
1
Dizem de solidão e fracasso –
xipófagos. Um atado ao outro em elos de carne. Quando eu acordo pela
manhã, se me sinto só, engano-me: está comigo a solidão,
fazendo-me companhia, e conosco mais um, que me condena a essa
companhia solitária.
Não fui vencido. Deus, não fui! Só
se é derrotado quando há luta, e eis que nem luta houve. Houve
apenas duas coisas – fracasso, e solidão.
2
Nada acaba. Tudo morre. Morrem as
pessoas, as coisas, os sentimentos, as memórias, as impressões, os
significados, as leituras, os pensamentos. Morte, morte, morte,
morte, mortes. A todo tempo algo está morrendo, alguma vida
fracassando, alguma existência falhando. Algo morrendo pela última
vez. O espírito enlutado é aquele coitado que vive na verdade,
incapaz de se desvencilhar da crueza de um mundo de morte, fracassado
no esforço de fugir para um mundo de alheamento, desvencilhado desse
sopro, dessa ideia, desse constante despertar para acabar, de morte.
3
Dizem que ideias, uma vez mortas, estão
mortas para sempre. Sentimentos esquecidos, impressões perdidas,
algumas deidades obscuras, textos a lápis. É a praga da sanidade, é
o fardo da memória, é a tristeza da consciência: querem nos fazer
lembrar de tudo, pensar sempre, e no que pensar, quando tudo morre e
do que lembramos, até morrer, é que morreu aquilo que fomos, que
sentimos, que pensamos. Não há tristeza nem felicidade no existir
pelo existir – não há nada, e se é essencialmente o que se
parece. Deixa-se de ser, pois não há “ser”, não há “eu”.
Nada há.
4
Quando um sofre, sofre essencialmente
só, pois é só sua a dor que sente. Dois ou mais podem beber da
mesma dor, diminuir no mesmo ocaso, mas a dor é um privilégio da
individualidade. Milhões passam fome, e o desempregado não para de
chorar. O homem enviuvou-se, e a menina sem o cinema não deixa de
estar triste. Há dores e dores, há pessoas e pessoas, há peitos e
peitos. Cada chave abre um trinco por vez, cada dor retorce um
mediastino diferente, cada perda lastima um choro sem par.
5
Pode haver amor de um? Paz de um lado
só? Amizade de um único representante? Ou há sentimentos e
impressões que só existem em conjunto?
Pergunto-me: para que?
Erro do sujeito? Ilusão do iludido?
Cegueira do indivíduo?
Quão rápido damo-nos conta da ilusão,
vemo-la real; e tão devagar é o fim, a morte, a partida. Zarpa o
barco sem demora, célere sob o vento auspicioso e a maré alta,
tantos crendo na ilusão do desembarque, que só existe em sonhos, e
na chegada vindoura, que na partida e na viagem não existe. E como é
devagar o naufrágio, lento o soçobrar, difícil baixar tão dentro
do mar – e a razão, iludida, nos faz crer quando dizem ser rápido,
ou pouco.
6
Há desalentos, mas para alguns há
alento. Há dores, mas para algumas há cura. Há sonhos, mas eles
não têm nada. A realidade em nada condiz com um sonho – o sonho é
integrante da realidade – se é sonhado, é real – e não a
antítese do que os sentidos do corpo podem sugerir.
Acontece, no entanto, que os sonhos são
mais bem sonhados sem expectativas. Muito rápido a esperança passa
de bálsamo a veneno, de armadura a ilusão; de alento há desalento.
7
Pode a morte ser um despertar se a vida
é um sono do espírito? O homem crê, sonha, espera, se ilude,
suscita. E isso tudo normalmente ele faz só. O homem ama, chora, ri,
caminha e morre. E isso, vez ou outra, ele pode fazer acompanhado.
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