Trecho do primeiro capítulo de uma história que venho trabalhando aos poucos.
(...)
Empédocles. Aquele cara chato que ficava mendigando a atenção dela. Não
sei bem porque ele tinha esse nome, talvez fosse erudição dos pais. O coitado
não aguentou de saudades e numa overdose de tristeza, comiseração e Send me an Angel dos Scorpions ele decidiu se jogar da ponte
do Rio das Almas.
Também, caso não tenham
percebido, ela é daquele tipo de mulher que junta você e as encrencas.
Claro que podem não ter
percebido! Eu mal comecei a contar.
Acontece que pouca gente deu
importância ao fato do programador da empresa ter faltado naquele dia. Ele
nunca faltava, mas quando finalmente faltou... ninguém percebeu. Ninguém deu
bola.
E assim foi que, por volta das
catorze horas de domingo um grupo de montanhistas, escaladores e aventureiros
profissionais e amadores chegaram até a sombra do portal para o parque Monte
Alma, todos vestidos com aquelas roupas de esporte e trilha que tanta gente
compra porque acha legal mas nunca usa no mato ou na trilha.
Eles começaram a se dividir em
grupos para limpar o local. Uma rave recente havia certamente emporcalhado tudo
por ali. Era proibido fazer uma festa tão barulhenta em um parque, mas a
polícia nem dera as caras por lá.
Um dos grupos estava menos
eficiente porque seu membro mais pró-ativo e mais capaz estava lutando uma
batalha em sua própria cabeça. Ele estava tão distraído que já havia colocado o
capacete de escalada como se fossem dali direto para a montanha.
Ele ainda estava pensando na
ruiva das sardas e das meias de arrastão. Ela era aquele tipo de garota que une
você às encrencas. Era mais um daqueles momentos em que ele se odiava, se
ridicularizava, se consolava e se enchia de esperança – tudo às socapas e às
etapas, conforme ia pensando sua situação. Ele queria ela. Simples. Sempre.
Demais. E ela nunca vinha o suficiente, o que ela se fazia para ele nunca era o
suficiente para ele. Ele precisava de mais dela. Um vício tóxico, talvez, pela
carne e pela voz dela, pelo que ela contava da vida dela para ele, pelas
reflexões que ela fazia ao dizer que havia algo de errado com a cidade, pelo
olhar dela que injetava nele alguma coisa que o fazia escravo e desesperado por
dominar e obedecer.
E nessa querência desesperada
que era física porque misturava as urgências de um animal no cio e ao mesmo
tempo mental e abstrata porque envolvia noções mal curadas de romantismo e
paixão insensata com toques de emoção explicada, ele ia se consumindo num vício
ingrato que não lhe fazia sensato. A fé se erodia. Como o mais miserável,
abjeto e baixo dos viciados, ele sabia o que era aquela alegria intensa e
única, pura e inegável que o veículo e fim do seu vício lhe trazia, apenas para
afastar aquele vulto do vício em si e todo o vazio e sofrimento que derivam
dele.
É querer fugir desesperadamente
do sol, não aguentar sua luz, tremer e murchar diante do seu brilho. Então
chega uma sombra em sua casa que fecha todas as cortinas, bloqueando toda luz,
salvo por uma única fresta deixada talvez de propósito por onde entra um único
facho. Aquele facho é luz, e a luz se teme, mas é tão pequena diante de tanta
escuridão que ela parece apenas uma lembrança, um agouro, um perigo distante,
momentaneamente esquecido.
Cada minuto passado com ela
tinha o valor de horas porque ele sentia esse desespero por ela e o desespero
de saber que tinha apenas algum tempo com ela antes de tudo se acabar e voltar
a ser desesperadamente como antes. Um nojo. Um tédio. Quando as coisas davam
certo sem ela, era tudo pela metade, tudo desconexo. A felicidade intensa que
embolava suas entranhas só vinha dela desde quando ele conseguia se lembrar que
lutava para ser contente.
Ficar com ela. Que delícia de
sensação. Ela entrava pela porta do apartamento e era como se a vida valesse a
pena, cada segundo. Não havia mais problemas, não havia mais perigos, não havia
mais preocupação. Só havia ela, e ele, e o tempo. A distância ia ficando cada
vez mais curta. Mas o tempo passava junto com ela, e cada segundo daquela
intensidade de carne e de sentimento se desfazia porque estava mais perto do
fim inevitável. Algo tão bom não poderia durar muito, e essa ideia martelava o
cérebro dele com a força e a certeza de um tiro a queima-roupa.
Cada abraço, cada beijo, cada
olhar dispensado a ela era um gesto de extrema fé e prazer, mas manchado pelo
pesar de saber que podia ser o último. Ele estava abraçando o vendaval,
beijando dinamite, observando com calma e contentamento a mais violenta e
instável das reações químicas sob um controle estranho e não natural.
Vício. Alívio. Objeto e ser.
Tanta emoção e carne. Ela entrava na casa dele, uma sombra. O sol ficava lá
fora, barrado. Mas havia algo do sol que entrava, lembrando que o tempo é claro
e passa, lógico. Mas foda-se. Ela fechava a porta. Ela trancava a porta do apartamento
dele. Ele sabia que se olhasse pela janela veria ali a imagem embaçada de um
assassino, de um ladrão, de um maníaco. Mas ela estava ali, e ele sentia-se
isolado. Bem. De bem. Em um estado estranho e caótico demais, nervoso demais,
desesperado demais para ser chamado de paz.
– Rapaz, agora ferrou! – E
como se arranca coisa de coisa, ele foi arrancado daquela confusão de
pensamentos de merda que não o levariam a nada. Olhou para o lado e viu um de
seus companheiros do clube de escalada olhando para baixo com os olhos todo
espanto.
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