domingo, 5 de fevereiro de 2012

Caravelando

Quando não digo mais que me sinto sozinho, ou que sempre estou sozinho, as pessoas riem de contentamento e pensam "Ele finalmente aceita que Deus está sempre com ele!" - quem sou eu para causar-lhes espanto?
O fato é que não estou sozinho mesmo, e com essas coisas de Deus eu acho que nem Deus se importa muito. Se não me sinto sozinho é porque, confirmando toda a impressão camoniana de viver-em-verso, minha alma já repousa aquém do lugar que ocupo no espaço. Estou ancorado, um navio contra as ondas, mas a tripulação que me dá vida desembarcou e foi ter em terra com outrem. Uma concha vazia, a pérola adorna o seio de uma dama formosa.

Se não estou sozinho, em parte é porque vivo já em outra pessoa, atado a ela de tal modo que já não importa em qual lugar do espaço encontra-se meu corpo, do qual longe encontro-me liado a almas outras... E se o vento aviva meus panos, é a vontade de buscar meu porto que me o compele a ajudar. E se a água agita os remos, ou se as rêmoras parecem me puxar a quilha, é meu pesar marulhoso e estaleiro que os convence a auxiliar.
O fato é que não estou sozinho. Não o sentiria nem mesmo se o quisesse. A nave, vazia, está ancorada para se ter um lugar que torne o regresso (ou a fuga) possível...
Mas eis que quem desce à terra por lá fica, e o barco, esquecido, consome-se com o tempo...

E as almas, liadas, fazem-se companhia.
A despeito de madeira que enegrece, de mastro que se parte, de velas que se rasgam,
Ou do calhau -
- que se quebra.

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