domingo, 25 de setembro de 2011

Renovar a Vida

i - Madrigal

Eu estava com outra - seria você?
Observávamos as garças de Março
sob a chuva no leito do Morava,
e quando as libélulas azuis, muitas,
pousavam no seu cabelo, eu e você
nos uníamos num singelo abraço,
e sua túnica de seda ruflava - eu dizia que te amava.

Quando os espíritos do rio célere
com os da chuva de inverno comungaram,
quando os gansos-bravos voavam para longe,
eu dormia com as carpas, sussurrava espere-me,
e se os gelos às suas palpebras incomodavam,
partíamos para longe, você me perguntou "aonde?"


ii - Commedia

E nos estuários pardacentos do Danúbio
vimos chorarem as bailarinas, concubinas,
e testemunhamos o afogamento das orquestras.
Era tão azul aquele cinza, lembro-me de alguém.
Será você? A luz da porta bate ao dia, e dúbio,
é assim que me vejo, e sigo seu vulto deitado nas cortinas,
reclinado qual neve que pesa nas florestas.

E desprezamos, um de cada vez, em tempo,
os banquetes do palácio imperial. Pudera!
O cisne e a ave do lago lindamente cantam
sem coleira ou tempero. Lembro-me disso como exemplo,
e quanto o médico virou monstro, desses que por aí erra,
com toda bondade você me aconselhou, os olhos amam.

iii - Seresta


E se de noite a vinha no choupo se enlaçava,
mais que depressa um ou outro murmurava:
"é o vento, que por rosas arrancadas chora."
Mas o dia sempre conseguiu vir e raiar,
e ao tocar com lábios a sua pele, jurava - te amava.
E se os sentidos privados são por hora,
digo hoje que são remorsos da demora.

Quando a pele começou a secar e fria,
os Urais estavam enrugados como o Verão.
Você chorava pela luz do dia e por nós.
Eu ofereci corrermos pela paragem de dia
e dormirmos com os trilhos (que um dia sonharão),
e como um cisne você reclina o pescoço - por nós.

iv - Balade


Assim, nos amamos mais e amamos mais tristes,
e no lado claro dos Alpes vimos as pastagens,
e no inverno escuro do Sena, mil imagens,
no doce sono do Nilo (cobra de vidro), miragens,
e nas velhas margens do Pó, algumas postagens.
Cansamo-nos, ainda amando. Criando coragem,
seguimos o vento de sal sem nenhuma bagagem.

v - Ode

Vimos os peixes que infartavam o Mississipi,
e ao Sul, um verso livre se afogou no Amazonas.
O uivo do coiote era como o choro do lobo,
As lágrimas da arara, a alegria do rouxinol.

A partir de então, no Novo Mundo era assim:
eu só escrevia em quatro versos, um quinto
só enquanto você me beijava. E no fundo, perguntava:
O que faz aqui, se no Morava você dizia que me amava?

vi - Eco

E a vida já se esvaía;
as rimas rareavam.
A luz da noite se perdia,

As novidades se espelhavam,
chorar o peito eu queria,
meus olhos diziam, te amavam

vini - Scene

E eis que o frio do Inverno.
E eis que acho - nada é eterno.

vinci - Verso

Gelo. Tudo pára.

ix - Verum

Vi um raio de Sol.
Muito longe.
Veio tão veloz,
veio tão rápido.
Eu que vou em direção a ele,
e do escuro já sinto sua voz.
Vamos brincar nos charcos do Morava!
Eu te amava, você me amava!
...
E a vida se renova.


-------------------------------------------------- Eu mesmo, hoje.

Às vezes escrevo por motivos de pura alma e razões de desequilíbrio químico. Eu legaria este a Camões se possível fosse, para vê-lo lápidado em belas rimas como só um homem de um olho só pode fazer.

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