A Discussão Indiscutível: Religião
ATÉ pouco tempo, eu chegava a rezar para encrencar com um religioso para discutir crenças e religião. No ensino médio, admito que me divertia ao fazer um colega meu, evangélico dedicado, a contar como Deus criou o mundo em 6 dias (e como ninguém é de ferro, descansou no sétimo), e como Noé salvou o mundo do Dilúvio. Digo que me divirto porque não entendia como alguém como ele (um cdf classe A) acreditava nisso.
Mas hoje vejo como fui tosco. Meu colega segue acreditando piamente que a Arca de Noé cruzou os mares, mas eu já não entro mais nas rodinhas que discutem crenças disposto a arranjar desentendimento. Primeiro por que aprendi que crença é algo muito pessoal que pra começo de conversa não deveria nem mesmo ser assunto em discussões. Depois, porque discutir sobre isso não leva a nada.
Se dois anos atrás eu fizesse uma lista das coisas que mais gosto de comentar, religião estaria entre uma das primeiras, mas vejo que isso se devia mais a minha curiosidade. Gosto muito de estudar as religiões, de ver em que os outros acreditam. No meu tempo livre, fui desenvolvendo a teoria de que cada um tem sua própria religião e não existem duas pessoas com a mesma religião. Foi quando percebi que estava pensando em crença, em fé, não em religião.
Religião é uma instituição manufaturada entre você e Deus. Crença é um vínculo sagrado que une você a quem você adora. Religião são leis, instituição social, meio de controle e disseminador de moral. Crença é um sentimento puro que não precisa de regras ou pregadores. Vivemos a religião fora de casa, na missa e no culto, com um grupo e um livro ou dois. Crença é uma prática entre quatro paredes, sejam paredes da casa ou da própria cabeça, com nossa voz por única testemunha.
Não gosto muito do original, mas é mais ou menos assim:
“Quando rezardes, não sejais como os hipócritas que gostam de fazer suas orações de pé e nas esquinas, a fim de serem vistos pelos homens. Em verdade, eu vos digo: já receberam a sua recompensa. Quanto a ti, quando quiseres orar, entra em teu quarto mais retirado, tranca a tua porta, e dirige a tua oração ao teu Pai que está ali, no segredo. E teu Pai, que vê no segredo, te retribuirá.” – evangelho se São Mateus.
Bem, hoje me afasto da roda de conversa quando ela se torna uma roda de conversão. Até porque “aqueles que gostam de falar de suas idéias religiosas são aqueles que menos gostam de ouvir as dos outros”. Na verdade, como adoro falar, o que tento mesmo é mudar de assunto, mas se não consigo aí sim eu tiro o corpo fora.
Sou pagão. Politeísta, pagão, não sei bem qual é o termo mais próprio para se utilizar. Até hoje só encontrei uma pessoa que entendeu minha “religião”, porque essa minha crença não veio através de meus pais, fui eu que a encontrei e foi com ela que me identifiquei, nesta fé que me senti bem. Não fico remoendo meus ancestrais de fé que foram queimados nas fogueiras ou torturados até a morte, estripados, enforcados e afogados (até porque já tascaram os primeiros cristãos pros leões), mas queria que respeitassem um pouco mais minha crença. Mas aí, como vão respeitar se nem a conhecem? Muitos acreditam que paganismo é macumba. Muitos não falam nada por que não entendem. Tudo bem, eu não discuto religião, nem a minha.
Não freqüento templos, nem covens (até porque em Joinville nunca ouvi falar de um). Quando me sentia muito mal, passava pela igreja católica, ficava lá dentro curtindo o silêncio e esperava os problemas me incomodarem menos. Já freqüentei o grupo de juventude da igreja luterana do meu bairro. Nada disso mudou minha fé. Me fez apenas perceber o quanto gosto de todas as religiões e como quero que todos se entendam mesmo tendo crenças diferentes. Espero que nunca exista uma religião única, mas se houver, que essa religião seja a tolerância. Que todos acreditem no que querem acreditar e sejam respeitados e admirados por isso. Tenho orgulho de viver em um país laico que não tem uma religião oficial.
Vou fechando o assunto por aqui, apesar de querer falar de como me chateiam essas pessoas que só aceitam sua própria fé como original, salvadora e etc. Também falaria que acho um erro das religiões parar enquanto os tempos continuam mudando, e comentaria como o dogma é um câncer para a consciência e o livre pensar, mas chega. Cada um deve pensar com a própria cabeça, espero que assim seja. Comprar idéias nem sempre é um mal.
Que nossa religião seja a paz, que seu livro seja a tolerância, que seu profeta seja o respeito.
O que vc quis dizer com "não gostei muito do original? vc o alterou?
ResponderExcluirSeja lá quem traduziu, achei lindo isso:
"E teu Pai, que vê no segredo..."
Pura poesia.
Agora... o comentário oficial.
ResponderExcluirBelas palavras. Concordo com sua visão quanto ao papel da religião, e o respeito pelas crenças.
Sempre que o assunto é religião, de tanto questionar-me, acabo num beco sem saída. Nessas horas, me lembro desse poema do Fernando Pessoa.. que vou ser metido, e vou botá-lo aqui.
NATAL
Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou.
Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.
Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.
Um novo Deus é só uma palavra.
Não procures nem creias: tudo é oculto.
Vc que é politeísta há de concordar comigo...
Fernando Pessoa tbém é um deus, né?
Deus da palavra!
Até!
Olá, sou amigo do Eduardo. Ele indicou-me o blog. Muito bom o texto. Parabéns.
ResponderExcluirWellington
::: Eduardo
ResponderExcluirPrimeiro, obrigado pelo texto. O original continha a linha "e não faça como os pagãos, que acham que serão ouvidos se muito repetirem."
Pra bom entendedor, meia.
::: Wellington
Muito obrigado pela presença, e muito obrigado pelo elogio também.
Humm...ficou bem melhor sem a frase agressiva.
ResponderExcluirIsso me lembra o digníssimo e carequíssimo
C. H. Schroeder:
"Cortar, cortar! O negócio é cortar!"
haha